quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Trecho de SARA


A casa de Marco, herança dos pais, tinha algo de divino. Era grande com o exterior em pedra já marcada pelo tempo. As paredes cobertas de hera abrigavam pequenas aranhas e outros tipos de insetos que não afetavam a vida na casa. Alguns cômodos estavam praticamente intocados, quase como se ainda vivesse ali o casal alegre que doara aquela aura ao lugar. Os cômodos mais movimentados eram a cozinha e o estúdio que abrigava amigos e servia de palco para uma que outra reuniãozinha. Éramos poucos, mas fazíamos barulho suficiente com as nossas discussões.
E o que ela pensava, ela de si mesma? Uma coisa a descobrir. Na roda viva em que nos encontramos pouco nos pomos em posição de observarmos a nós mesmos como seres humanos. Possivelmente essa pausa forçada em sua vida a fazia refletir sobre isso. Podia eu, à distância, delinear pequenos conflitos e mudanças no intimo daquela pequena mulher.
Ela me procurava de quando em quando para desabafar e eu amiga escutava. Escutava suas angustias de menina e seus medos de mulher que se misturavam. Sentava-se em meu sofá velho com as flores desbotadas pelo uso e enchia a casa de alegria. Eu me deliciava com aquelas tardes cheirosas. Chá ou café, cigarros e risadas.

Luiza Mattos
Agosto de 2010
Porto Alegre

terça-feira, 23 de outubro de 2012

PARTIDA

As vezes a vida simplesmente nos surpreende. Simplesmente nos desconcerta sem pedir licença. Andando pelas ruas de Porto Alegre e quase sendo carregada pelo vento me senti presa as pedras do calçamento. Com a música tocando alto pude abrir bem os olhos e me concentrar somente no movimento das copas das árvores. E logo partirei, logo não estarei mais aqui para sentir o frio gelado do inverno do sul. Desde muito quero partir e assim tão perto parece-me tão mais difícil. Hoje o último encontro com uma amiga querida, lágrimas nos olhos e saudade no peito. O Mercado Público, as alpargatas e a erva-mate que não estará mais ao alcance da mão.

Me fará falta o frio.

Luiza Mattos
23/10/2012
Porto Alegre

TE QUERER

Quero teu colo, quero teu corpo
Me encontro no teu carinho
Não me importa te entender quando te tenho
Não preciso ser entendida
Quero apenas te ter no silêncio
Nos teus beijos, nos teus toques

LMD
Março de 2010

CONFISSÃO

Demorei
Me enrolei
Senti saudade antes de ir

LMD
23/10/2012

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

PISCAR DE OLHOS

Me encanto com os ciclos
Com as tristezas, as raivas, as dores
Emaranhado cinzento que segura meus pés
O vento que corta, esclarece
A chuva que derrete na pele
A vida que surge nas veias geladas
Enquanto procuro fôlego, encontro âmago
Um abismo sem limites, um oceano sem fronteiras
Uma flor que nasce no gelo
Muitas florestas, muitas curvas, tempestades
Um milésimo de segundo
Num piscar de olhos uma vida inteira

Luiza Mattos
21 de Janeiro de 2012
Porto Alegre

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

SIMPLICIDADE


Sem agradáveis surpresas, sem desapontamentos
A realidade mostra o provável transforma-se em impossível
O sono tranquilo, as novas respostas
A simples beleza da vida


Luiza Mattos
03 de Abril de 2012
Porto Alegre

DANÇA


A lua aparece tranquila
Sussurra a cantiga perfeita
As estrelas alegram a noite
O vento me embala nas nuvens
E o baile segue feliz

Luiza Mattos 
03 de Abril de 2012
Porto Alegre

FARPA

Castigo banal
Carnal afastado
Café derramando
A cama dormida
A farpa na pele
O sangue na boca
A tarde perdida

Sem normas 
Sem regras
Vivência banida
Sem risco
Sem cara
Metade de fome
Metade perdida

São duas palavras
Escorre e derrama
Garganta cortada
A fala não dita
Silêncio comprado
E angústia vendida

Luiza Mattos 
04 de Abril de 2012
Porto Alegre

RECORTES

RASURA

Escrevo
Apago
Procuro 
Não toco
Buraco
Segredo

REFLEXO

Me sento
Te vejo
Me Olho
Te espero
Me olho
Desejo

RECANTO

Me encanta tua calma
Me encanta tua alma


Luiza Mattos
17 de outubro de 2012
Porto Alegre

CONVERSA ANTIGA

Ela: Oi, como você está?
Ele: Tô de bermuda. E tu?
Ela: De toalha.
Ele: Legal. E a cabeça?

dois minutos...

Ele: De toalha também?
Ela: Aham, eu e a cabeça.

Porto Alegre
3 de março de 2012


VOCÊ AQUI

Teus olhos estão comigo
Me dão força, me dão vontade
Certeza de mim mesma
Minha vida em ir
E voltar pra ti

Não é lugar comum, lugar qualquer
É futuro e certeza.
É caminho traçado
Travessia árdua
Margem alcançada
Rumo compartilhado

Descubro quem sou, passo a passo
Folha após folha que cai
Desvendo o que não conheço
Não entendo, surpreendo
Mistura de todos os olhos já vistos
De todos os gostos e cheiros

Me sinto pela tuas mãos
Nosso trabalho, nosso percurso
Mudanças, avanço, caminho
Tanto do mundo em mim, tantos segredos
E ainda tanto mais de você aqui

Luiza Mattos
20 de junho de 2011
Porto Alegre

IMENSIDÃO

E o mundo inteiro de repente tão pequeno
Coração apertado, espremido, rabiscado no papel
Guardei a página, guardei o tom, embrulhei as palavras
O infinito num instante, sem dizer nada
Sem traduzir pensamento, sem tradução
Eu fiquei só, virei somente imensidão

Luiza Mattos.
10 de outubro de 2012.
Porto Alegre.

ENQUANTO VOCÊ DORMIA


Enquanto você dormia estávamos, prazerosamente, lutando por mais cinco minutos.
Enquanto você dormia o café estava sendo passado.
Enquanto você dormia havia choro pela casa.
Enquanto você dormia as remelas estavam debaixo d'agua.
Enquanto você dormia o sol já havia puxado minhas cobertas com suas garras afiadas e maldosas.
Enquanto você dormia nós escutávamos o restinho de silencio se misturar ao rumor da antiga porcelana.
Enquanto você dormia a janela da cozinha, dos quartos, da sala e a porta do quintal já tinham sido abertas.
Enquanto você dormia estavam todos enfileirados, lavados e escovados. Um, dois, três.
Enquanto você dormia, em alto e bom som, ecoava pela casa minha música preferida e os pássaros cantavam lá fora.
Enquanto você dormia.
Enquanto você dormia o sino já havia soado.
Enquanto você dormia tudo já despertara.

Por fim, enquanto você dormia,  tudo fazia sentido.

Luiza Mattos.
17 de outubro de 2012.
Porto Alegre.